O nível de dolarização dos depósitos na economia situou-se nos 37% em Setembro deste ano, recuando para os níveis registados em 2014, segundo apurou The Angola Post, com base nos dados do Banco Nacional de Angola (BNA).

A dolarização é a utilização de moeda estrangeira como meio de pagamento e reserva de valor numa economia. Pode-se ainda dizer que é o processo pelo qual um país renuncia e extingue a circulação da sua moeda, em benefício de uma moeda estrangeira. Assim, uma economia diz-se dolarizada quando as populações residentes detêm uma parte significativa dos seus activos em moeda estrangeira, em particular, em dólares norte-americanos.
As estatísticas dos agregados monetários do banco central indicam que em Setembro os depósitos totais fixaram -se em 10,19 biliões Kz, dos quais 63% em moeda nacional, e os restantes 37% em moeda estrangeira (representa o nível de dolarização dos depósitos).
Os 10,19 biliões de depósitos totais correspondem à soma dos depósitos transferíveis e outros depósitos. No que respeita aos depósitos transferíveis (aqueles que podem ser imediatamente conversíveis em dinheiro ou facilmente transferíveis através de cheques, ordem de pagamentos, cartão de crédito e utilizados normalmente para efectuar pagamentos, fundamentalmente depósitos à ordem), o BNA contabilizou cerca de 5,44 biliões kz, dos quais, 72% são em moeda nacional e 28% em moeda estrangeira. No período em análise, os depósitos transferíveis cresceram 2% em termos homólogos e 4,5% em relação ao mês de Agosto.
Já os outros depósitos, fundamentalmente o depósito a prazo, com o total de 5,79 biliões kz, a moeda externa representou 47%, enquanto o Kwanza concentrou 53%. Ao contrário dos depósitos transferíveis, os a prazos reduziram ( 4% face a Agosto e 22% em termos homólogos).
O ano de 2012 ficou marcado como o início da desdolarização (queda dos depósitos em moeda estrangeira), naquele período, o nível de dolarização dos depósitos fixou-se nos 49%, quatro pontos abaixo dos 53% verificados em 2011.
Com a entrada em vigor da lei cambial no sector petrolífero, o nível de dolarização dos depósitos começou a cair, até atingir um mínimo de 33%, entre 2016 e 2017. Em 2018, o nível de dolarização voltou a subir para 48% e no ano seguinte disparou para 55%. Em Maio de 2020, os depósitos em moeda estrangeira atingiram o pico de 59%, tendo se fixado nos 56% em Dezembro daquele ano.

Em causa está apreciação do Kwanza que se verificou nos últimos meses

Segundo o economista e docente, Wilson Chimoco, o desempenho tem sido justificado pela apreciação que a taxa de câmbio tem apresentado.
“Este facto tem contribuído para que os depósitos em moeda estrangeira, quando convertido em Kwanza reduzam, o que passa a imagem de que tem havido a desdolarização na economia, o que não é verdade. As famílias e empresas, directa ou indirectamente, continuam a indexar as suas expectativas de fixação de preços e reserva de valor em dólares. Contudo, tem se assistido um aumento dos depósitos em moeda nacional”, justificou.
Porem, conforme explica Wilson Chimoco, este cenário não é necessariamente bom para economia, uma vez que as pessoas não estão a confiar mais no Kwanza do que no dólar, afirmando que “é meramente uma questão contabilista”.
Para o economista e consultor, Daniel Sapateiro, o nível de dolarização dos depósitos deve-se há alguns factores económicos, entre outros, o maior consumo das famílias em termos de viagens, carregamentos de cartões de crédito e envio de remessas num tempo de viagens plenas desde meados de 2021.
“Por outro lado, as próprias empresas têm necessidades de relançar as suas actividades e nesse campo por via de importações, logo há necessidade de executar um conjunto de compras no exterior e dessa forma há lugar à redução de montantes em depósitos na banca comercial”, apontou.
Segundo o consultor, a economia angolana deveria funcionar sobre “auspício de uma economia de mercado” e assim sendo, o consumo privado das famílias e das empresas não financeiras devia ser o ‘motor’ da economia. Situação que considera não acontecer no País, devido intervenção do Estado e seus Entes Públicos na economia real e porque também o Estado consome muito dos recursos financeiros disponíveis da banca.
“Penso que o nível que atingimos é preocupante, mas não é alarmante. Preocupante é baixar dos 30% de depósitos em moedas estrangeiros/total de depósitos e se a desvalorização da moeda nacional continuar como tem acontecido desde Outubro do corrente ano”, apontou.
Daniel Sapateiro refere também que o mercado está a balancear entre as necessidades de importação e consumo e as necessidades financeiras, considerando que “o mais importante é que as autoridades acompanhem a situação e actuem na proporção e tempo devidos”.

Menos dinheiro circulou na economia, em Setembro

Em Setembro, a quantidade de moeda em circulação na economia caiu 8%, comparativamente a Agosto do corrente ano. Os dados do banco central indicam que no nono mês do ano circulou na economia pelo menos 586 mil milhões Kz, contra os 637,9 mil milhões verificados no mês de Agosto. Também houve menos dinheiro em posse do público, que caiu 8%, passando de 472,5 mil milhões em Agosto para 435 mil milhões Kz em Setembro.
Daniel Sapateiro entende que, alegadamente, o BNA na condução da política monetária tem de tudo fazer para que o nível de preços não vá além dos 18%, o que considera praticamente impossível, por conta do último trimestre do ano ser um tempo de aumento da procura, de consumo e mais massa monetária no mercado, devido os subsídios de Natal e outras remunerações adicionais.
“Para esta meta do BNA, uma das formas clássicas de intervenção no mercado é “enxugar” os Kwanzas do mercado, que levará a um menor consumo, mas não evitando a especulação e o lado emocional de alguns importadores e comerciantes de aumentar os preços para se protegerem da inflação e da desvalorização do Kwanza”, explicou.
Por sua vez, Wilson Chimoco argumenta o seguinte: “O BNA tem uma missão clara que é a estabilidade dos preços, e tem de agir em conformidade. Contudo, não tem de esquecer que a economia angolana é essencialmente informal e o sistema de pagamento tem de estar alinhado com o grau de informalidade na economia e garantir uma oferta monetária necessária para assegurar o normal funcionamento do mercado, enquanto não se está operacionalizar outros mecanismos de pagamento”.
Wilson Chimoco entende que há uma permanente carência de nota e moeda de menor valor facial na economia, e este facto condiciona a actividade comercial e a prestação de serviços de transporte, as duas actividades com uma concentração de pessoas muito significativa