O documento, proposto pela China, principal parceiro comercial de grande parte de África, aponta diversas áreas prioritárias para o apoio à capacitação dos Estados continentais, nomeadamente insegurança alimentar, combate ao terrorismo, aos efeitos das alterações climáticas, à pirataria e assalto à mão armada no mar.

Aprovada por consenso, a “declaração presidencial” da China (país que presidiu Ao CS em Agosto), que contém disposições sobre missões de paz da ONU e sanções do Conselho de Segurança, sublinha a importância de respeitar as lideranças desses estados.
Depois de vários escândalos sobre flagrantes violações de Direitos Humanos por parte das missões de Paz da ONU em África, que muitas vezes se transformam em instrumentos de instabilidade e pilhagem dos países “socorridos”, a inclusão de disposições sobre essas missões parece ter como finalidade a credibilização da própria declaração.
Deste modo, reforça-se o cerco às atrocidades praticadas por essas forças e tenta-se evitar a repetição de actos macabros como o recente escândalo envolvendo militares portugueses ao serviço da ONU na República Centro Africana (RCA), onde se dedicavam à pilhagem e tráfico de diamantes e ouro, riquezas deste país.
Dez destes militares integrados na Missão das Nações Unidas na RCA (MINUSCA) e outros civis portugueses da rede de pilhagem e tráfico das riquezas centro-africanas, foram detidos em Lisboa, num caso que mancha a reputação das Nações Unidas e de Portugal.
Falar de missões de Paz da ONU em África implica lembrar, dolorosamente, o mais bárbaro dos casos de violação dos Direitos Humanos: o estupro de mulheres e crianças praticado por agressores sexuais e pedófilos de instituições da ONU na República Democrática do Congo (RDC).
Actos tão bárbaros e de tão larga dimensão que fazem da RDC, vizinho de Angola, um Estado conhecido pelo triste cognome de “capital mundial do estupro”. É deste País que sai o mais elevado número mundial de acusações de exploração sexual e abusos cometidos por agentes das forças de manutenção de Paz da ONU.
Indivíduos de instituições que têm como missão a protecção dos Direitos Humanos, mas que abusam dos mais frágeis, mulheres e crianças pobres, como aconteceu com a violação de uma criança de 10 anos por militares da missão da ONU que resultou numa gravidez.
Este e outros casos denunciados e condenados por várias organizações internacionais de Direitos Humanos e de protecção de crianças espelham o nível de violência e desumanidade existente em tais missões.
Os três países africanos (Gabão, Ghana e Quénia), membros não-permanentes do Conselho de Segurança em representação do continente, foram decisivos no processo de negociação e conclusão da citada declaração do CS.
Nos últimos dois anos, muito apoiada pelos representantes africanos no Conselho de Segurança, órgão da ONU encarregado de manter a paz e a estabilidade internacionais, a China tem usado as suas presidências mensais para fazer aprovar propostas à favor do continente berço.
Entre as propostas chinesas, destacam-se as declarações de apoio à recuperação pós-pandemia ou a luta contra o terrorismo e o extremismo, aprovadas no ano passado.
Com 60 por cento da sua agenda ocupada com problemas africanos, torna-se cada vez mais visível o obsoletismo da actual configuração do Conselho de Segurança das Nações Unidas, para além de mostrar a urgência da alteração da sua estrutura.
Numa altura em que se discute a reforma das Nações Unidas e do seu Conselho de Segurança, os países africanos batem-se para que a nova configuração que sair desse processo inclua uma digna representatividade de África, único continente sem qualquer país-membro permanente naquele órgão máximo da ONU.
Este tema fará parte da agenda de Moçambique, membro não permanente do CS (2023-2024), que se prepara para ser o porta-voz dos Estados africanos que defendem dois assentos permanentes africanos e três não permanentes no citado órgão da ONU.
Com essa representação, África pretende assumir-se como um importante player nas questões internacionais e na definição da nova ordem mundial que substituirá a velha e caduca saída da segunda grande guerra.
Para essa empreitada, o País de Samora Machel, com boas relações e imagem em todo o continente africano, bem como uma forte diplomacia, goza da vantagem de ter sido eleito por unanimidade para o mandato, fruto da sua boa capacidade negocial que certamente será muito útil nas discussões do dossier sobre reforma do CS.
A guerra na Ucrânia e a consequente crise alimentar internacional que afecta significativamente o continente africano deverão ser o Leitmotiv para uma mudança no paradigma de desenvolvimento do continente.
Apesar de possuir um quarto das terras aráveis do planeta, África responde por apenas 10 por cento da produção agrícola global, situação que poderá ser alterada se se investir fortemente na agricultura, com horizonte na auto-suficiência alimentar, antecipando, desta forma, algumas das metas da Agenda 2063 da União Africana.
Neste quesito, o continente deve dar atenção às previsões que apontam 2050 como ano em que a população africana, actualmente em mais de 1,2 mil milhões, passará para mais do dobro, atingindo a cifra de 2,5 mil milhões de habitantes, crescimento, tendo como consequência a duplicação da procura de alimentos.
Por isso, o investimento no sector agrícola deve passar pelo aproveitamento de todas as terras aráveis no continente e acabar com o desperdício de metade dessas terras que actualmente não estão a ser cultivadas.
Essa aposta, segundo as Nações as Unidas, resultaria na poupança de mais de 35 mil milhões de dólares por ano, metade do valor gasto anualmente pelo continente africano na importação de alimentos.
As reservas de água subterrâneas, 20 vezes superior à precipitação anual, uma bacia hidrográfica pujante com rios de elevado caudal como o Zaire/Congo, Zambeze, Nilo, Níger ou Orange e a diversidade climática são factores que podem contribuir para o desenvolvimento da agricultura e a transformação de África no celeiro do mundo.
Grandes reservas de água subterrâneas presentes em todas as regiões do continente, sendo as maiores em Angola, Botswana, Namíbia, Zâmbia (África Austral), Argélia, Líbia (Norte de África), Mauritânia, Senegal, Gâmbia, Guiné-Conakri, Guiné-Bissau (África Ocidental), Congo e Chade (África Central).
O investimento no sector agrícola contribuirá também para o combate ao desemprego, sobretudo o desemprego jovem, à pobreza e, consequentemente, aumento da estabilidade e da riqueza num continente com a população mais jovem do mundo, onde mais da metade têm menos de 20 anos.
Investimento para que o sector passe dos actuais 16 por cento do PIB continental para um lugar preponderante na economia de África, continente em que dois terços da população vivem no meio rural, onde se concentra 80 por cento das pessoas em situação de pobreza.
Diversos estudos sustentam que esse crescimento económico do sector agrícola é duas a três vezes mais eficaz para combater a pobreza e a insegurança alimentar que o crescimento económico de outros sectores.
A mudança de paradigma impõe-se com urgência neste continente, onde, anualmente, 10 a 12 milhões de jovens chegam ao mercado de trabalho e onde, apesar de representarem mais de 50 por cento da mão-de-obra agrícola, as mulheres beneficiam de menos de 10 por cento dos créditos concedidos aos pequenos agricultores.
Se a luta por melhor representatividade nas Nações Unidas deve ser uma batalha de África para a sua afirmação no concerto das Nações e um factor que poderá contribuir para acelerar a integração africana, a aposta no sector agrícola é um caminho para a segurança, estabilidade e melhoria da vida dos africanos.