Naturalmente, as opiniões divergiram, havendo duas correntes que se destacaram. Uma que tributa o fracasso à débil competição doméstica e outra que assaca a responsabilidade à direcção da Federação, por supostamente não ter criado as necessárias condições para uma boa preparação. Poucos, mas muito poucos, atribuem as culpas ao técnico ou aos atletas.

Efectivamente, a competição interna é paupérrima, muito mais, por exemplo que, na década de 1980, quando o título era disputado por pelo menos três emblemas, designadamente 1.º de Agosto, Petro Atlético de Luanda e Interclube. A socapa, havia ainda o Dínamo de Luanda, com equipa capaz de superar qualquer dos principais candidatos ao título. Embora no plano africano a nível de selecções nada tivesse conquistado, estavam criadas as condições para um salto qualitativo que não aconteceu porque, em finais daquela década, uma gigantesca onda de emigração de atletas para Portugal deixou o andebol masculino de rastos.
Actualmente, o cenário competitivo é de uma pobreza franciscana. Apenas duas equipas (1.º de Agosto e Interclube) disputam o título. O GD da Banca, que já foi campeão nacional, fica a léguas do duo, ao passo que o Sporting de Luanda, que também já foi campeão nacional, não se tem feito à quadra nos últimos anos. Há dias contei neste espaço a odisseia do Sporting de Cabinda para participar no último campeonato, disputado em Benguela em Maio passado. Os “verdes e brancos” do Mayombe foram à “cidade das Acácias Rubras” à boleia de um avião militar. No local da competição, ficaram numa casa de família, num bairro periférico, onde sequer havia água corrente. Os atletas lavavam os próprios uniformes e uma alma caridosa cozinhava para o grupo. Provavelmente, aquela comida não obedecia aos parâmetros indicados para um grupo em competição. Mais: a equipa não sabia quando voltaria a casa, estando dependente de outra boleia aérea. Como o Sporting de Cabinda, mais equipas passam por essas vicissitudes.
Com outras sete formações, o Sporting de Cabinda bateu-se para o título nacional em pouco mais de uma semana. Nessa prova, as duas únicas equipas que fornecem jogadores à Selecção Nacional disputaram apenas dois jogos entre si. A estes, somou um dos quartos-de-final, outro da meia-final e três da fase de grupos. Objectivamente, cada equipa totalizou sete partidas. Globalmente, o próprio Campeonato Nacional só teve 28 (!) jogos, o que é uma comédia. No “Provincial” de Luanda, ambas as formações têm mais ou menos o mesmo número de jogos, que, agregado a mais quatro da Taça de Angola, dá 18 partidas. Dando de barato, estico para 20 partidas. Dessas, sequer metade são de alto grau de dificuldades. Logicamente que não é preciso ser um “homem do andebol” para perceber que uma Selecção Nacional formada na base dessas duas equipas está mais longe que próximo do sucesso.
Se os “experts” prestarem atenção, vão perceber que, nos últimos anos, apenas dois clubes ganham: 1.º de Agosto e Interclube. Ambos são sustentados pelo OGE, assim como o terceiro classificado, que é o… Interclube B. Um olhar mais atento à tabela classificativa do último “Nacional” de andebol masculino lobriga um conjunto de seis emblemas que se viram como podem, sem recursos e fazendo das tripas coração para participar em todas as competições, mesmo sabendo à partida que estão condenados ao fracasso.
A falta de recursos financeiros na esmagadora maioria dos clubes torna a competição doméstica altamente desequilibrada, o que em nada beneficia os “grandes”. Sem competitividade, os jogadores dos dois principais clubes na Selecção Nacional não podem fazer milagres. Nestas condições, aliás, já fizeram muito, ao subir algumas vezes ao pódio de honra.
A questão do estágio parece-me um falso problema. Cabo Verde, vice-campeão africano, não estagiou mais tempo que Angola. Aproveitou bem a sua diáspora, construiu uma equipa com base em jogadores que actuam na Europa (Portugal, Espanha e França) e foi à luta. Um pouco como aquela Selecção nigeriana de basquetebol que bateu o “Dream Team” dos EUA pouco antes dos Jogos Olímpicos de Tóquio2000. Num mundo globalizado como o dos dias de hoje, é natural que isso aconteça, mesmo que alguns atletas sequer conheçam fisicamente o país que representam, o país dos seus pais ou dos seus avós.
Qualquer “homem do andebol” sabe que o campeonato recém-terminado no Cairo estava aprazado para Janeiro passado em Marrocos e não se realizou por razões políticas, visto que a maioria das selecções se recusou a jogar em território anexado do Sahara Ocidental. Naquela altura, a Selecção Nacional tinha agendado um estágio pré-competitivo em Portugal, abortado na véspera da viagem, devido ao adiamento do “Africano”. Quando, entretanto, a equipa de José Pereira “Kido” tinha que concretizar a preparação em Junho, visando a prova, já a Europa estava no defeso. Em Portugal, Espanha ou França jamais encontraria adversários para testar. Ainda assim, houve a alternativa Egipto. Em termos de andebol masculino, o Egipto nada deve a Portugal. Antes pelo contrário. Já subiu ao pódio mundial, façanha jamais conseguida pela equipa nacional lusa.
Em 12 dias, Angola fez quatro jogos pré-competitivos no Cairo, um dos quais com a Guiné, a quem bateu por 33-29. Esta mesma com a qual perdeu depois nas classificativas. Além disso, bateu-se com o Iraque, Egipto B e uma formação da I Divisão egípcia. Dentro dos condicionalismos financeiros que o desporto angolano enfrenta, não se pode dizer que uma preparação destas é fraca.
O que aconteceu com Angola neste campeonato foi uma fatalidade. Embora estivesse quase sempre a perder diante de Cabo Verde, Angola teve a possibilidade de “matar” o jogo. Falhou um castigo máximo que lhe daria a vitória e no contra-ataque o adversário marcou o golo da suada vitória por 31-30. Do mesmo modo que o triunfo caiu para o lado de Cabo Verde, poderia ter caído para o lado de Angola. Um golo de diferença e nas circunstâncias em que aconteceu não pode ter que ver com a preparação. Foi resultado das incidências de um desafio que não correu bem aos angolanos. E isto acontece a qualquer equipa. Não fosse assim, Angola teria perdido duas vezes com a RD Congo e não teria ganho à Guiné na preparação.
A gritaria à volta do fracasso de Angola tem mais que ver com o facto de muitos angolanos pensarem que sendo o país irmão pequeno em dimensão também o é em desporto. Pura ilusão de óptica. Para quem não sabe, Cabo Verde tem mais cidadãos na diáspora que no seu próprio território. E o que tem feito é aproveitar ao máximo os seus activos nas grandes Ligas europeias para formar boas Selecções. Por isso é que já está à frente de Angola no futebol e no basquetebol.