O som do batuque acompanhado de canções de agradecimento na língua local chama atenção da nossa equipa de reportagem logo à chegada à povoação de Cafu, a 135 quilómetros da cidade de Ondjiva, província do Cunene. A intenção é constatar o sistema de transferência de água, a partir do rio Cunene, para as localidades de Ombala-Yo-Mungo (município de Ombadja), Namacunde e Ndombondola. A percussão é executada por uma mulher de aparente 38 anos, que, com mestria, produz sons melódicos e contagiantes, levan-do os seus pares a executar vários toques de danças tradicionais. O motivo da festa é a inauguração, hoje, do referido projecto que surge para combater os efeitos da seca na província.
“Aproxima-se o fim de um período negro, que, durante vários anos, aterrorizou a vida das populações do Cunene, razão pela qual eles festejam”, descreve o administrador da povoação, Constantino António Chetekela, que parou de fazer a manutenção na sua viatura para nos atender. O responsável lembra, com melancolia, que, antes da construção do sistema de transferência de água, eram obrigados a caminhar entre 20 e 30 quilómetros à procura do líquido, para o consumo e para dar de beber ao gado. “Não foi fácil. Foram momentos muito difíceis. Durante a caminhada, à procura de água, muitos animais morriam pelo caminho”, recorda.
Constantino António Chetekela salientou que o momento mais difícil foi o ano de 2019, altura em que se dá a seca severa na parte Sul do país, com destaque para o Cunene. Estima terem morrido, nessa altura, só no município de Ombanja, por falta de água, cerca de dez mil cabeças de gado.
Sebastião Vicente, uma das vítimas dos efeitos da seca, disse ter perdido 50 cabeças de gado. “Foi muito revoltante ver os animais a morrer, sem poder fazer nada”, frisou.
O administrador da povo-ação de Cafu, localidade onde está a central de bombagem do sistema de transferência de água – praticamente o coração do projecto – contou que o anúncio e o arranque da construção do sistema de transferência de água deixaram as populações muito alegres.
“Ao vê-lo concluído, hoje, posso afirmar que chegou o tempo de trocar as lágrimas pelos sorrisos. A água, que era encontrada a quilómetros de distância, agora está a escassos metros das nossas casas!”, destacou, com um sorriso nos lábios.
Sistema de transferência
O sistema de transferência de água, a partir do rio Cunene, para as localidades de Ombala-Yo-Mungo, Namacunde e Ndombondola, tem o coração na povoação de Cafu, comuna de Xangongo, município de Om-bandja. É das primeiras respostas concretas ao problema da seca na província do Cunene, desde a independência de Angola, ou seja, há 45 anos.
Até antes da sua existência, o problema da seca na província do Cunene era combatida à base de furos de água. Chegaram a ser abertos, em toda a província, mais de 700 furos, que foram incapazes de atenuar o sofrimento da população, por, na sua maioria, serem negativos.
“Estas perfurações têm sido feitas de forma empírica e só estão a gastar dinheiro”, desabafou a governadora do Cunene, Gerdina Didalelwa, durante a visita do Presidente à província, em Julho do ano passado.
O sistema de transferência de água faz parte de um leque de três primeiros projectos estruturantes de combate aos efeitos da seca, aprovados para a província do Cunene, e arrancou em 2019. Tem como principais componentes a estação de bombagem, que, numa primeira fase, vai captar e bombear dois metros cúbicos de água por segundo, ou seja, dois mil litros. Dispõe de uma tubagem pressurizada, com extensão aproximada de dez quilómetros, um canal condutor geral, com uma extensão de 47 quilómetros, e, logo a seguir, no lote 1, uma bifurcação com dois canais, sendo o Leste e o Oeste.
O canal Leste, que vai levar a água a Namacunde, conta com uma extensão aproximada de 55 quilómetros. Já o Oeste, que segue em direcção à povoação de Ndombondola, possui uma extensão aproximada do primeiro. Além dos canais, o sistema de transferência de água conta, igualmente, com 30 chimpacas (reservatórios de água) e 93 bebedouros para as pessoas e para os gados. Cada uma das chimpacas mede 100 metros de comprimento, 50 de largura, cinco a seis de profundidade e uma capacidade de armazenamento de água a variar entre 25 mil metros cúbicos e 30 mil metros cúbicos. Orçado em cerca de 136 mi-lhões de dólares, o projecto vai beneficiar 235 mil pessoas, 250 mil cabeças de gado e reserva uma área aproximada de 5 mil hectares, para a prática da agricultura irrigada.
O director do Instituto Nacional dos Recursos Hídricos do Ministério da Energia e Águas, Manuel Quintino, referiu, durante a participação na terceira edição do Café CIPRA, estarem, ainda, em construção, na província do Cunene, outros projectos com o mesmo fim. Disse estar em construção, na Bacia Hidrográfica do Cuvelai, o projecto estruturante número 2, que consiste na construção da barragem do Calucuve, associado a um canal e cerca de 44 chimpacas.
“A barragem, em si, tem uma altura de 19 metros, terá um desenvolvimento de cerca de 1829 metros e comportará um reservatório com a capacidade de 100 milhões de metros cúbicos”, aclarou.
Manuel Quintino salientou que, na mesma bacia do Cuvelai, arrancou a construção do projecto estruturante número 3, que é a construção da barragem do Ndoe, também associado a um canal que vai levar água da localidade de Ndue até Embundo. Este canal terá uma extensão aproximada de 81 quilómetros e associado a 15 chimpacas.
“Todos estes projectos que mencionei estão localizados na margem esquerda do rio Cunene”, frisou Ma-nuel Quintino, dando a co-nhecer o arranque de outras acções também na margem direita.
“Estamos a falar de uma intervenção a nível dos municípios da Cahama e do Cu-roca”, explicou. Na Cahama, prosseguiu, prevê-se a reabilitação de uma pequena barragem na secção da Cova do Leão, que vai permitir, depois, o aproveitamento desta água para abastecer algumas sedes comunais. Disse que esta empreitada denomina-se “Projecto Cu-nene 8”, comporta três lotes e está orçado em cerca de 260 milhões de dólares.
Uma previsão a concretizar-se
Quando da sua segunda visita de trabalho ao Cunene, no ano passado, o Presidente da República garantiu que, com a entrada em funcionamento desses projectos, os efeitos da seca na província seriam reduzidos de forma significativa.
“Isto significa que o sofrimento das populações e dos animais aqui da província do Cunene vai mudar, de forma radical, nos próximos anos. Estimamos que seja a partir de 2023 em diante, na medida em que estes projectos forem sendo concluídos”, vaticinou, na altura.
A província do Cunene conta com um sistema convencional de captação, tratamento e distribuição de água potável desde 2014, com uma extensão de 172 quilómetros e capacidade de 1024 metros cúbicos de água por hora, a partir de Ombadja, propriamente na vila de Xangongo. Conta, ainda, com um sistema de distribuição de água de OmbalaYo Mun-go, inaugurado o ano passado, que beneficia 2200 pessoas. A província tem, igualmente, sete mil e 100 ligações domiciliares.