A história de Vivaldo Monteiro Pedro é semelhante à de outros angolanos que fugiram da guerra na Ucrânia, mas tem uma particularidade: é vivenciada apenas por poucos compatriotas. Enquanto a maioria fugiu da área onde residia, circulando dentro da Ucrânia, para poder chegar a Lviv, cidade ucraniana escolhida como ponto de concentração dos angolanos para a entrada na Polónia, alguns não tiveram esta possibilidade, devido ao agravamento da guerra, que deu origem à paralisação temporária da circulação de comboios e de autocarros de transportes públicos, atrasando, assim, a fuga de quem não tem carro próprio.

A particularidade da história de uma minoria, na qual se inclui Vivaldo Monteiro Pedro, tem a ver com o facto de não ter chegado à cidade de Lviv, mas a um outro país vizinho da Ucrânia, que não a Polónia, utilizando-o apenas como ponte, para continuar a fuga.  

O que se percebe também na mudança de rota de fuga de quem não conseguiu chegar à cidade de Lviv é a geografia do país invadido, que, pela sua grande extensão, dificulta a quem estiver, por exemplo, a leste e a sul, a chegada, com facilidade, àquela  cidade, situada na parte oeste, que é uma das principais portas de fuga da Ucrânia. Daí a razão de terem chegado sete angolanos à Moldávia e dois à Roménia, dois dos seis países que fazem fronteira com a Ucrânia.

Vivaldo Monteiro Pedro, de 35 anos, licenciado em Engenharia Informática e mestre em Redes de Telecomunicações, viajou para a cidade de Budapeste, capital da Hungria, percurso que havia sido feito antes por seis angolanos, que, a partir daquele país, que faz fronteira com a Ucrânia, conseguiram chegar à cidade de Praga, capital da República Checa, que não tem fronteira com a Ucrânia.
O Jornal de Angola soube, ontem, que a Embaixada de Angola na Alemanha, que representa o país também na República Checa, enviou uma “nota verbal” ao Ministério dos Negócios Estrangeiros checo, solicitando “a concessão de vistos humanitários para a  permanência dos seis angolanos até que a situação se altere na Ucrânia”.

Em Luanda, um familiar de um dos seis angolanos disse, ontem, ao Jornal de Angola,  que é desejo de alguns prosseguirem os estudos na República Checa, onde, de acordo com a fonte, “os seis angolanos foram muito bem acolhidos e estão a ser, inclusive, apoiados por membros da comunidade angolana”.

O Jornal de Angola soube que Vivaldo Monteiro Pedro está na Hungria, e não na Polónia, como estava inicialmente previsto, quando, às 23h16 de sexta-feira, o jovem enviou para o repórter uma mensagem, com o seguinte teor: “Boa noite, mano! Graças a Deus, estamos a acabar de chegar à cidade de Budapeste. Viagem cansativa, mas valeu a pena”. 

Vivaldo Monteiro Pedro saiu da Ucrânia para a Hungria com a mulher, de nacionalidade ucraniana, a filha de oito meses, a sogra e a avó-sogra, num dos comboios humanitários colocados pelo Governo húngaro à disposição dos ucranianos e estrangeiros que queiram fugir da Ucrânia com des-

tino à cidade de Budapeste. O angolano e a família ucraniana viajaram para a cidade de Budapeste, depois de um telefonema feito à Embaixada de Angola na Hungria, que lhe prometeu apoio, quando chegasse àquele país.

“Gostei da recepção da Embaixada de Angola na Hungria, algo que não esperava”, reconhece Vivaldo Pedro, que diz não se ter juntado ao grupo de angolanos na cidade de Lviv, embora fosse sua intenção, devido ao “engarrafamento e filas enormes na fronteira entre a Ucrânia e a Polónia”.

Vivaldo Pedro recorreu à Embaixada de Angola na Hungria, para a mudança da rota de fuga, aproveitando-se do facto de, durante o processo de recolha de dados para o repatriamento de angolanos da Ucrânia, ter obtido vários contactos telefónicos de diplomatas ao serviço de várias embaixadas de Angola na Europa.

O jovem pediu apoio à Embaixada de Angola na Hungria, para sair da Ucrânia com a  família, por ter ficado a saber que a representação diplomática angolana já havia ajudado angolanos fugidos da Ucrânia para a cidade de Budapeste.

Em Kharkiv, viviam cerca de 40 angolanos, a maioria dos quais abandonou a cidade no terceiro dia da invasão, permanecendo apenas quatro compatriotas, sendo um deles Vivaldo Pedro Monteiro, que é coordenador da comunidade angolana naquela cidade.

No primeiro dia deste mês, três dos quatro últimos angolanos em Kharkiv conseguiram sair da cidade, na sequência da reabertura de uma rota de fuga, por via ferroviária. Vivaldo Pedro não viajou com os três compatriotas, por não ter conseguido despachar a tempo a mulher e a filha, porque “os comboios, naquele dia, já não estavam a seguir os horários habituais”, devido à necessidade de evacuação rápida da cidade de Kharkiv de cidadãos  estrangeiros e ucranianos.

Na cidade de Kharkiv, a segunda maior da Ucrânia e antiga capital do país, estatuto perdido em 1934, Vivaldo Pedro estava abrigado com a mulher, a filha de ambos, a sogra e a mãe desta, na cave de um edifício, onde se encontravam 30 pessoas, que formavam, no “bunker”, 10 famílias. A fuga da cidade de Kharkiv foi um “momento desesperador”, por ter acontecido depois de ter sido bombardeado um prédio que está ao lado do edifício onde o angolano estava refugiado com a família. O impacto do bombardeamento não poupou o edifício onde estava refugiado, que ficou com os andares superiores danificados. 

Diante do cenário de destruição, Vivaldo Pedro e a família decidiram sair do prédio com destino à estação de comboio, “onde também havia um autêntico caos”. O comboio fez várias paragens inesperadas, uma decisão tomada por precaução e segurança, tendo em conta que circulava em zonas de guerra. Quando chegou à cidade de Budapeste, Vivaldo Pedro e a família foram imediatamente hospedados num “guest house”, cujas despesas são suportadas pela Embaixada de Angola na Hungria. O jovem e a família tinham tudo pronto para, no período da tarde de ontem, sair, via Alemanha, da Hungria para Portugal, onde vão solicitar “protecção temporária” ao Estado português.

Fuga da Polónia

Uma fonte disse ao Jornal de Angola que, na lista de 277 cidadãos acolhidos, em Varsóvia, pela Embaixada de Angola na Polónia, não estejam algumas pessoas que entraram como angolanos naquele país.

A fonte admitiu que aquele número pode não reflectir a totalidade de angolanos que conseguiu entrar na Polónia, por ter tido conhecimento de que alguns, depois de terem passado a fronteira para a Polónia, não se dirigiram aos autocarros alugados pela Embaixada de Angola na Polónia para serem transportados até a uma unidade hoteleira.

A fonte assegurou que, depois de as autoridades mi-gratórias polacas enviarem uma lista à Embaixada Angolana com os nomes dos que entraram como angolanos, “só assim é que se poderá saber o número de angolanos que não foram controlados pela Embaixada”. A fonte avançou a possibilidade de já terem saído da Polónia outros angolanos, podendo alguns estar em Portugal ou na Alemanha, “país onde podem ter autorização de residência”.

Na madrugada de ontem, regressaram ao país, a bordo de um avião da Transportadora Aérea Angolana (TAAG), 30 dos 277 cidadãos que estavam controlados pela Embaixada de Angola na Polónia. Os que decidiram permanecer na Polónia estão, agora, por “sua conta e risco”, embora possam ter “apoio consular possível”, lê-se num comunicado do Ministério das Relações Exteriores, no qual acentua que a decisão tomada por aqueles “exonera o Estado angolano de responsabilidades sobre estes cidadãos”.   

A entrada de angolanos na Polónia, fugidos da guerra na Ucrânia, é resultante de um plano criado no âmbito de uma articulação entre as em-baixadas de Angola na Polónia e na Rússia, tendo cada representação diplomática ficado com tarefas específicas e diferentes.
Uma das tarefas atribuídas à Embaixada de Angola na Rússia é o reembolso do dinheiro gasto por cada angolano na fuga da sua área de residência para a cidade de Lviv.  O reembolso seria feito por um funcionário da Embaixada de Angola na Rússia, que sairia de Moscovo para Varsóvia, para fazer a entrega de um “valor único” a cada  angolano.

Compatriotas temem pela vida
Dias difíceis continuam a viver quatro estudantes angolanos que se encontram em Sumy (nordeste), uma cidade ucraniana que está a cerca de 40 quilómetros da fronteira com a Rússia.

Devido ao agravamento da guerra, o grupo de  quatro estudantes, entre eles três mulheres, não conseguiu ainda sair da Ucrânia, encontrando-se escondido num abrigo. Os estudantes temem pela vida, por estar a cidade de Sumy sob fogo intenso e pesado e com o abastecimento de água e luz cortados.

Preocupada com a situação, a Embaixada de Angola na Rússia solicitou ao Ministério dos Negócios Estrangeiros russo a concessão de vistos de curta duração, a fim de os quatro estudantes entrarem na Rússia, a partir de Belgorod, cidade russa que tem uma comunidade angolana estudantil.

A fonte garantiu que tudo está a ser feito por via diplomática, podendo até o caso ser tratado ao mais alto nível, para que os quatro angolanos entrem na Rússia, a partir de Belgorod, de onde vão partir para a cidade de Moscovo, para serem, depois, repatriados para Angola.

Depois da concessão de vistos de curta duração, a saída dos quatro compatriotas da cidade de Sumy só será possível se houver um corredor aberto em direcção à cidade de Belgorod.

A Embaixada de Angola na Rússia tem recomendado aos quatro estudantes a não se movimentarem, se não tiverem uma necessidade extrema, e a se refugiarem imediatamente quando ouvirem o som das sirenes de alarme de ataque aéreo.

Organizações humanitárias internacionais admitem que a invasão da Rússia à Ucrânia possa fazer  mais de sete milhões de refugiados e cerca  de 10 milhões de deslocados internos. 

Até ontem, já tinham fugido da Ucrânia mais de um milhão e 500 mil pessoas, encontrando-se a maioria refugiada na Polónia, que está a conceder visto de permanência temporária a todos os refugiados.