A temperatura média global em 2021, de Janeiro a Setembro, foi cerca de 1,09°C mais alta do que a de 1850-1900, segundo um relatório a que o Jornal de Angola teve acesso hoje (31), quando líderes mundiais se reúnem na Escócia para analisar as alterações climáticas na Terra até 12 de Novembro.
De acordo com a EcoDebate, actualmente, os seis conjuntos de dados usados pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) na análise indicam que 2021 é o sexto ou sétimo ano mais quente já registado globalmente e a classificação pode mudar no final do ano.
É provável que 2021 seja o quinto ao sétimo ano mais quente para o qual há dados disponíveis, e os sete anos de 2015 a 2021 são os mais quentes desde o início dos registos, sublinhando que 2021 é menos quente do que nos últimos anos devido à influência de um episódio moderado de La Niña, ocorrido no princípio deste 2021.
La Niña tem um efeito de resfriamento temporário na temperatura média global e afecta as condições meteorológicas e climáticas regionais. Em 2021, a foca La Niña foi claramente observada no Pacífico tropical. O último grande evento La Niña foi registado em 2011. Por isso, 2021 é aproximadamente 0,18 a 0,26°C mais quente do que 2011.
Com o enfraquecimento do episódio La Niña 2020/2021, as temperaturas globais mensais aumentaram. Em 2016 começou-se com intenso fenômeno de El Niño e continua a ser o ano mais quente já registado na maioria dos conjuntos de dados estudados.
Oceanos
Cerca de 90% do calor acumulado no sistema terrestre é armazenado no oceano e é medido através do conteúdo calorífico dos oceanos. O aquecimento dos oceanos a 2 mil metros de profundidade continuou em 2019 e atingiu novo recorde histórico.
De acordo com uma análise preliminar baseada em sete conjuntos de dados globais, 2020 ultrapassou esse recorde. Todos os conjuntos de dados concordam que as taxas de aquecimento dos oceanos mostram aumento especialmente acentuado nas últimas duas décadas e espera-se que as temperaturas continuem a subir no futuro.
Em algum ponto de 2021, uma grande parte dos oceanos foi afectada por, pelo menos, uma onda de calor marinho “forte”, com excepção do Pacífico equatorial oriental (devido ao La Niña) e a maior parte do Meridional. No Mar de Laptev e no Mar de Beaufort, no Ártico, ondas de calor marinho “severas” e “extremas” foram registadas entre Janeiro e Abril últimos.
Os oceanos absorvem cerca de 23% das emissões antrópicas anuais de CO2 na atmosfera, razão pela qual a acidez dos oceanos está a aumentar. O pH da superfície do oceano aberto diminuiu globalmente nos últimos 40 anos e actualmente é o mais baixo em pelo menos 26 mil anos. A taxa actual de mudança de pH não tem precedentes desde, pelo menos, aquela época. À medida que o pH do oceano diminui, sua capacidade de absorver CO2 da atmosfera também baixa.
Nível do mar
As mudanças no nível médio do mar em escala global são principalmente devido ao aquecimento dos oceanos causado pela expansão térmica da água do mar e o derretimento do gelo continental.
O aumento médio global do nível médio do mar, medido desde o início da década de 1990 por altímetros de satélite de alta precisão, foi de 2,1 mm por ano entre 1993 e 2002 e 4,4 mm por ano entre 2013 e 2021, ou seja, dobrou entre os dois períodos. Isso se deveu principalmente à aceleração da perda de massa de gelo das geleiras e mantos de gelo.
Gelo marinho
O gelo marinho no Ártico em Março, quando atingiu o pico, estava abaixo da média de 1981-2010. A extensão do gelo marinho diminuiu rapidamente em Junho e início de Julho nas regiões do Mar de Laptev e do Mar da Groenlândia oriental. Como resultado, na primeira quinzena de Julho, a extensão do gelo marinho do Ártico foi a mais baixa já registada.
Posteriormente, em Agosto, ocorreu uma desaceleração da fusão, sendo que a extensão mínima registada em Setembro superou a dos últimos anos e atingiu 4,72 milhões de km2. Esta foi a décima segunda menor extensão de cobertura de gelo no registo de satélite de 43 anos, bem abaixo da média de 1981-2010. A extensão do gelo marinho na parte oriental do Mar da Groenlândia foi de longe a mais baixa já registada.
A extensão do gelo marinho da Antártica, em geral, foi próxima à média para o período 1981-2010, embora, no final de Agosto, uma extensão máxima tenha sido registada mais cedo do que o normal.
Mantos de gelo
Nas últimas duas décadas, a perda de massa das geleiras norte-americanas acelerou-se e quase dobrou em 2015-2019 em comparação com 2000-2004. Em 2021, o verão excepcionalmente quente e seco no oeste da América do Norte teve consequências brutais nas geleiras das montanhas da região.
A extensão do derretimento do manto de gelo da Groenlândia aproximou-se da média de longo prazo no início do verão. Em Agosto de 2021, as temperaturas e o escoamento do derretimento estavam bem acima dos valores normais devido ao influxo significativo de ar quente e húmido no meio daquele mês.
Em 14 de Agosto, as chuvas foram observadas por várias horas na estação de montanha, o ponto mais alto do manto de gelo da Groenlândia (3.216 m), e as temperaturas do ar permaneceram acima de zero por cerca de nove horas. Não há registos anteriores de chuvas na estação de montanha. Esta é a terceira vez nos últimos nove anos que condições de degelo foram observadas na estação de montanha. Registos de núcleos de gelo indicam que apenas um desses fenômenos de derretimento ocorreu no século XX.
Eventos climáticos extremos
De Junho a Julho, ondas de calor excepcionais ocorreram no oeste da América do Norte; em muitos lugares os valores máximos registados nas estações foram ultrapassados por margem de 4 a 6°C e houve centenas de mortes devido ao calor. Em 29 de Junho, Lytton, no centro-sul da Colúmbia Britânica, registou uma temperatura de 49,6°C, superando o recorde anterior do Canadá em 4,6°C e no dia seguinte esta área foi atingida por incêndios devastadores.
Houve também várias ondas de calor no sudoeste dos Estados Unidos. Em 9 de Julho, o Vale da Morte na Califórnia atingiu 54,4° C, temperatura semelhante à de 2020, a mais alta do mundo desde pelo menos a década de 1930. Era verão, mais quente do que se conhece, em média, no território continental dos Estados Unidos.
Vários grandes incêndios florestais eclodiram. O incêndio Dixie no norte da Califórnia, que começou em 13 de Julho, havia queimado cerca de 390 mil hectares até 7 de Outubro, e é o maior já registado naquele estado.
O calor extremo afectou a região do Mediterrâneo em geral. No dia 11 de Agosto, uma estação agrometeorológica na Sicília registou 48,8°C, um recorde provisório na Europa, enquanto Kairouan (Tunísia) atingiu 50,3°C, um valor sem precedentes. A 14 de Agosto, em Montoro (47,4° C), foi estabelecido um marco nacional para a Espanha, e no mesmo instante em Madrid teve o dia mais quente para o qual existem dados disponíveis, com temperatura de 42,7° C.
Em 20 de Julho, em Cizre (49,1°C), um recorde nacional foi estabelecido para a Turquia, e foi o dia mais quente já registado (40,6°C) em Tbilisi, Geórgia. Grandes incêndios florestais eclodiram em muitas partes da região; em particular, a Argélia, o sul da Turquia e a Grécia foram gravemente afectados.
Em meados de Fevereiro, condições anormalmente frias reinaram em muitas partes do centro dos Estados Unidos e norte do México. Os impactos mais severos foram no Texas, onde as temperaturas gerais mais baixas foram registadas desde pelo menos 1989. No início de Abril, houve surto de frio anormal durante a primavera que afectou muitas partes da Europa.
Precipitação
Entre 17 e 21 de Julho, chuvas extremas foram registadas na província chinesa de Henan. A 20 de Julho, na cidade de Zhengzhou, 201,9 mm de chuva caíram em 1 hora (recorde nacional da China), 382 mm em 6 horas e 720 mm no total, valor superior à média anual. As inundações repentinas causaram mais de 302 mortes e as perdas económicas são estimadas em USD 17,7 biliões.
Em meados de Julho, a Europa Ocidental viu algumas das enchentes mais severas já registadas. Entre 14 e 15 de Julho, no oeste da Alemanha e no leste da Bélgica, entre 100 e 150 mm caíram sobre uma vasta área, em solos já saturados, causando inundações e deslizamentos de terra e mais de 200 mortes. A maior precipitação diária foi de 162,4 mm e foi registada em Wipperfürth-Gardenau (Alemanha).
Chuvas persistentes acima da média durante a primeira metade do ano em algumas partes do norte da América do Sul, especialmente no norte da bacia amazônica, causaram inundações severas e de longa duração na região. Em Manaus (Brasil), o rio Negro atingiu o nível mais alto já registado. As inundações também atingiram partes da África Oriental, onde o Sudão do Sul, em particular, foi severamente afectado.
Pelo segundo ano consecutivo, ocorreram grandes secas que devastaram grande parte da região subtropical da América do Sul. A precipitação foi bem abaixo da média na maior parte do sul do Brasil, Paraguai, Uruguai e norte da Argentina. As secas causaram grandes perdas agrícolas, exacerbadas por uma pausa para o frio no final de Julho, que causou prejuízos em muitas das regiões produtoras de café do Brasil. O baixo nível dos rios também reduziu a produção de hidroelectricidade e interrompeu o transporte fluvial.
Os 20 meses entre Janeiro de 2020 e Agosto de 2021 foram os mais secos já registados no sudoeste dos Estados Unidos (mais de 10% a menos que o nível recorde anterior). A previsão para a produção de trigo e canola no Canadá em 2021 é 30% a 40% inferior aos níveis de 2020. Partes da ilha de Madagascar, no Oceano Índico, mergulharam numa crise de desnutrição ligada com secas.
Atribuição
Estudos preliminares de “atribuição rápida” foram conduzidos para a onda de calor de Junho a Julho no noroeste da América do Norte e as enchentes de Julho na Europa Ocidental. No estudo de ondas de calor do Noroeste do Pacífico, foi determinado que a onda de calor ainda é rara ou muito rara no clima de hoje, mas teria sido virtualmente impossível sem as mudanças climáticas.
No caso das inundações na Europa Ocidental, o relatório refere que se constatou que as mudanças climáticas aumentaram a probabilidade de chuvas fortes.
Em termos gerais, essa classe de fenômenos faz parte de um padrão mais amplo de mudança. No Sexto Relatório de Avaliação do IPCC, concluiu-se que a frequência das ondas de calor aumentou na América do Norte e na região do Mediterrâneo. A contribuição humana para estes aumentos foi determinada com um nível de confiança médio na América do Norte e com um nível de confiança alto na região do Mediterrâneo.
O IPCC observou que houve um aumento nas chuvas fortes no Leste Asiático, mas há um baixo nível de confiança em relação à influência humana. A influência humana nas chuvas fortes no norte da Europa foi determinada com um alto nível de confiança, embora com um baixo nível de confiança na Europa Ocidental e Central.
Repercussões socio-económicas e ambientais
Nos últimos 10 anos, a frequência e a intensidade dos conflitos, eventos climáticos extremos e crises económicas aumentaram. Os efeitos combinados desses perigos, exacerbados pela pandemia Covid-19, levaram ao aumento da fome e, consequentemente, minaram décadas de progresso no sentido de melhorar a segurança alimentar.
Após o pico da desnutrição registado em 2020 (768 milhões de pessoas), as projecções apontavam para uma diminuição da fome no mundo para cerca de 710 milhões de pessoas em 2021 (9%). No entanto, em Outubro de 2021, os números de muitos países já eram maiores do que os de 2020.
Este aumento acentuado (19%) foi observado principalmente entre os grupos que já sofriam de crises alimentares ou situações piores (fase 3 ou superior da Classificação Integrada de Segurança Alimentar em Fases (CIF)), com aumento de 135 milhões de pessoas em 2020 para 161 milhões em Setembro de 2021.
Outra consequência terrível dessas crises foi o aumento do número de pessoas a sofrer de fome e o colapso total de seus meios de subsistência (IPC fase 5), principalmente na Etiópia, Sudão do Sul, Iêmen e Madagascar (584.000 pessoas).
Os eventos climáticos extremos que ocorreram durante o episódio de La Niña em 2020/2021 alteraram as estações chuvosas, contribuindo para interrupções nos meios de subsistência e nas estações agrícolas em todo o mundo. Além disso, eventos climáticos extremos durante a estação chuvosa de 2021 agravaram as crises actuais.
Secas consecutivas em grandes áreas da África, Ásia e América Latina coincidiram com fortes tempestades, ciclones e furacões, afectando significativamente os meios de subsistência e a capacidade de recuperação de choques climáticos recorrentes.
Ao longo do ano, eventos e condições meteorológicas extremas, muitas vezes exacerbadas pelas mudanças climáticas, tiveram impactos significativos e diversos no deslocamento da população e na vulnerabilidade das pessoas que já estavam deslocadas. Do Afeganistão à América Central, secas, inundações e outros eventos climáticos extremos punem os menos preparados para se recuperar e se adaptar.
As mudanças climáticas afectam os ecossistemas terrestres, costeiros, marinhos e de água doce, bem como os serviços que prestam. Além disso, a degradação dos ecossistemas está a ocorrer a um ritmo sem precedentes que deverá se acelerar nas próximas décadas. A degradação do ecossistema limita a capacidade de promover o bem-estar humano e prejudica a capacidade de adaptação para construir resiliência.